No ano passado, foram R$ 37,4 bi em dívidas, envolvendo 50 empresas, levadas à negociação com credores por esse instrumento.
Empresas em dificuldades financeiras e que estão em busca de um acordo com credores lançaram mão de pedidos de recuperação extrajudicial no ano passado com os
valores negociados chegando a níveis recorde em 2024. No total, foram R$ 37,4 bilhões - dívidas de 50 empresas - levados à mesa para estruturação entre empresas e
seus credores, um aumento de 385% em relação aos valores de 2023, segundo levantamento feito pelo Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre), que
pertence à consultoria Biolchi Empresarial.
Com o primeiro grande teste do instrumento, alguns casos de sucesso já se tornaram bandeiras, como a varejista Casas Bahia, que entrou com o plano já com o acordo
acertado com seus principais credores, no caso Bradesco e Banco do Brasil. Nesse exemplo, a dívida estava concentrada com esses dois credores bancários, o que
facilitou na hora de se sentar na mesa e fechar os termos da proposta. Como são donos de mais de 50% dos vencimentos, os demais credores foram “dragados” ao
mesmo acordo.
Pela nova lei de Falências, as companhias podem fazer o pedido com o aval de credores que detêm ao menos 33% das dívidas. Depois disso, já protegidas contra
eventuais execuções, ganham mais 90 dias para conseguir o sinal verde de mais do que 50%, para assim poder homologar o plano. É nesse momento que precisam
buscar um acerto com mais credores, o que muitas vezes envolve os detentores de dívidas no mercado de capitais, seja local ou fora do país (debenturistas e
“bondholders”, respectivamente). Com cada vez mais empresas acessando o mercado de capitais, esses credores estão se tornando cada vez mais presentes nas
negociações.
A advogada especializada em negociações e recuperações extrajudiciais, Juliana Biolchi, sócia da Biolchi Empresarial, afirma que o aumento da procura das empresas
pelo instrumento de recuperação extrajudicial se deve a duas alavancas. A primeira tem como pano de fundo o momento vivido no país, em que os juros altos vêm
pressionando as empresas mais endividadas, as levando a processos de reestruturação. A segunda, por sua vez, se trata do maior conhecimento dessa ferramenta,
algo que vem aumentando à medida que as empresas maiores estão buscando se reestruturar fora do ambiente judicial. Dentre as grandes empresas, ainda de acordo
com dados do Obre, 20% das companhias que buscaram reestruturação partiram para uma RE. “Essa é uma tendência clara. Empresas maiores com acesso a
assessorias jurídicas mais especializadas enxergam a crise com mais antecedência”, afirma. Uma nova onda de crescimento da ferramenta de recuperação extrajudicial
deverá vir com as empresas menores, acredita.
"Existe muito preconceito com empresários que não sabem a diferença entre os instrumentos”
— Ricardo K
Ricardo Knoepfelmacher, mais conhecido como Ricardo K., diz que o instrumento de recuperação extrajudicial é benéfico especialmente para as empresas menores,
visto que o custo da judicial é muito elevado, ficando em média entre 5% a 15% da dívida, já que entram na conta despesas com administrador judicial, assessores
jurídicos e financeiros, por exemplo. Na RE, segundo ele, esse valor cai para 1% a 5%. No entanto, ainda existe muito preconceito, afirma. “É um problema educativo.
Existe muito preconceito com empresários que não sabem a diferença entre os instrumentos.” A leitura de Giuliano Colombo, sócio da área de reestruturação do
escritório Pinheiro Neto, é de que o instrumento veio para ficar, ainda que muitas empresas ainda sejam avessas a processos de reestruturação e acabam, com
isso, empurrando o problema. “A RE é um processo proativo, onde há um acordo entre credores e companhia”, comenta. O especialista lembra que, quando a
recuperação extrajudicial se torna pública, uma solução já foi acertada. “A RE é em larga escala um processo consensual. Precisa se chegar a um acordo com um grupo
de credores relevante para se disparar o processo”, diz. Por conta dessa dinâmica, segundo Colombo, as rasuras que podem ocorrer nas relações entre a companhia e
credores são menores.
Em alguns casos que se desenrolaram no ano passado, o instrumento foi utilizado para permitir uma transação maior. A Tok&Stok, por exemplo, recorreu à extrajudicial
para conseguir viabilizar sua fusão com a Mobly, transação que fazia parte da solução para seu saneamento financeiro. Outro exemplo recente foi visto na InterCement,
que entrou em RE e passou negociar a venda de ativos para a CSN. A costura, contudo, não funcionou.
Com isso, teve que abandonar a extrajudicial e partir para a recuperação judicial, ou seja, recorre ao Judiciário para tentar se reerguer.
Um dos principais especialistas em reestruturação do país, Thomas Felsberg aponta que para a empresa, a recuperação extrajudicial se trata de uma solução rápida. “O
tempo é o pior inimigo para empresas insolventes. Quanto mais se passa, mais o ativo se desvaloriza”, diz. Segundo ele, o instrumento vem sendo mais conhecido, o que
cresce à medida que casos de sucesso vão se tornando públicos. Felsberg aponta que a mudança da lei de falência permitiu o maior uso do instrumento, tanto pela
redução do quórum necessário para sua aprovação, antes era 60%, mas também porque se criou um arcabouço para propiciar a venda de ativos dentro da recuperação
extrajudicial, blindando os compradores de eventuais riscos.
Felsberg pondera que, do lado tributário, contudo, ainda há algumas vantagens adicionais para as empresas mais endividadas com o Fisco. Dentre elas está que dentro
do processo de recuperação judicial os prazos para pagamento das dívidas fiscais são mais longos. Outro ponto, segundo o especialista, tem relação com a tributação
sobre o deságio do processo, algo que pode ser considerado um desincentivo às REs. O sócio da gestora Journey e presidente do conselho de administração da
TMA Brasil (Turnaround Management Association), Luiz Fabiano Saragiotto, aponta que a maturidade dos credores também tem ajudado para que a busca pela RE
aumente. “Os credores estão aceitando mais se sentar à mesa para evitar uma RJ, que se trata de uma perda certa”, aponta. O executivo também frisa que havia dúvidas
sobre como poderia ser lidada a questão de multiplicidade de tipos de credores, mas que neste ano houve precedentes importantes, tal como na Unigel, que
conseguiram aplacar os questionamentos. Procuradas, as empresas citadas preferiram não comentar.