Atualizações

A eficiência econômica da falência: uma análise à luz do Teorema de Coase

Em meio à complexidade do sistema econômico e jurídico brasileiro, é recorrente o equívoco de encarar a falência como sinônimo de ineficiência ou fracasso. Longe de representar mero atestado de insucesso empresarial, a falência constitui mecanismo legal de reorganização coletiva da satisfação de credores e de redistribuição ordenada dos ativos de um devedor insolvente, mais eficiente e socialmente menos oneroso do que a multiplicidade de execuções individuais.

A chave para compreender essa eficiência remete à teoria de Ronald Coase, formulada em seu célebre artigo The Problem of Social Cost (1960), que deu origem ao chamado Teorema de Coase. O autor demonstrou que, em mercados em que os direitos de propriedade são bem definidos e os custos de transação são irrelevantes, os agentes racionais tendem a negociar até alcançar uma alocação eficiente de recursos, independentemente de quem detenha inicialmente o direito. Sua contribuição central, contudo, consistiu em revelar que, no mundo real, os custos de transação são relevantes, tornando instituições e normas jurídicas fatores decisivos para a eficiência econômica.

Essa perspectiva teórica encontra ressonância na doutrina de Sacramone (2023. p. 58), para quem “a proteção de todos os interessados somente ocorrerá, pela concessão da recuperação judicial, se o devedor for recuperável ou se, por meio da liquidação falimentar, a exploração da atividade puder ser realizada por adquirente que consiga proporcionar melhor destinação aos recursos escassos”.

Nas execuções individuais, verifica-se o oposto do ideal coasiano. Sendo elas desenhadas para tratar a individualidade, cada credor atua isoladamente na busca da satisfação de seu crédito, o que gera despesas processuais e honorários individualizados, e, quando se apresentam em múltiplos, prolonga-se a tramitação, provocando perda de valor dos ativos pela ausência de gestão unificada, favorecendo decisões conflitantes e acarretando falta de coordenação jurisdicional.

Do ponto de vista econômico, em cenários complexos (com diversos créditos) o modelo fragmentado gera ineficiências alocativas: o patrimônio do devedor é consumido em litígios e despesas processuais, em prejuízo do pagamento efetivo aos credores. Como adverte Sacramone (2023, p. 62), a postergação da liquidação forçada de um empresário sem viabilidade “somente promove o maior consumo dos recursos escassos, afeta a concorrência entre os agentes econômicos, gera menor valor por ocasião da liquidação e implicará menor satisfação dos interesses dos credores”.

Ao concentrar em um único procedimento todos os créditos sujeitos, a falência absorve os custos de coordenação. O juízo universal atua como ambiente institucional que reduz assimetrias informacionais, evita duplicidade de atos e viabiliza a venda ordenada dos ativos, sob supervisão do administrador judicial e com controle dos credores.

Diferentemente de um litígio individual, a falência, como processo coletivo, deve ser compreendida, conforme defendem Didier Jr., Zaneti Jr. e Oliveira (2020, p. 116), como procedimento de natureza estrutural destinado a reorganizar a situação de desconformidade generalizada causada pela insolvência, o que exige a intervenção estatal coordenada. Nesse arranjo, a atuação do administrador judicial, em conjunto com o magistrado, o Ministério Público e os credores, assegura a coordenação do sistema, reduz as assimetrias de informação e viabiliza a efetividade do juízo universal.

Racionalidade da falência e o papel da administração judicial

Ainda que dispondo de dados jurimétricos preliminares sobre a eficiência do processo falimentar versus a execução singular, e dos impactos positivos gerados pela reforma legislativa advinda da Lei 14.112/2020, do ponto de vista macroeconômico, o custo de transação do processo falimentar é menor porque o sistema evita sobreposição de atos processuais; viabiliza o rateio proporcional e equitativo; promove liquidação mais rápida e ordenada; e preserva, na medida do possível, o valor econômico dos ativos.

A pesquisa jurimétrica, feita com base em dados oficiais do DataJud/CNJ (Justiça em Números 2024) referentes ao Tribunal de Justiça do Estado São Paulo entre 2021 e 2025, abrangeu processos de falência, convolações de recuperação judicial e execuções cíveis e empresariais. Os resultados revelam que as falências apresentam tempo médio de tramitação de aproximadamente 800 dias (dois anos e 70 dias), contra 1,3 mil dias (três anos e 205 dias) nas execuções, além de taxa de extinção significativamente menor (8% nas falências, 45% nas execuções). Esses números confirmam que o modelo falimentar oferece maior eficiência processual e menor dispersão estatística.

À luz do Teorema de Coase, verifica-se que a eficiência das relações econômicas depende da redução dos custos de transação, aqui compreendidos como custos processuais, informacionais e de coordenação. A falência, como mecanismo coletivo, produz resultados mais racionais e econômicos do que a multiplicidade de execuções individuais, internalizando externalidades e reduzindo custos sociais. Em síntese, a análise empírica indica que o processo falimentar é cerca de 35% mais eficiente em termos de tempo médio de tramitação, reforçando sua função como instrumento de racionalidade sistêmica e de reorganização ordenada da insolvência.

O resultado é a maximização da utilidade social. Credores recebem de forma mais previsível e Poder Judiciário e Ministério Público atuam coordenadamente com o administrador judicial de modo concentrado, reduzindo os custos de transação e assegurando maior racionalidade econômica na alocação dos recursos remanescentes na economia, além do fomento ao empreendedorismo, com o retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica (Sacramone, 2023, p. 61).

A chave para tornar a falência mais eficiente é a gestão unificada do concurso de credores. Sob a ótica coasiana dos custos de transação, o papel da administração judicial é essencial, visto que auxilia o juízo na mediação de interesses, redução de assimetrias de informação, fiscalização de atos e mitigação de efeitos negativos da insolvência. A atuação técnica e imparcial do administrador judicial aproxima o procedimento do modelo de eficiência preconizado por Coase, convertendo o caos que resultaria de disputas fragmentadas em ambiente coordenado e transparente. Por isso, o artigo 22 da Lei 11.101/2005 atribui a ele a representação da massa falida e funções administrativas indispensáveis ao juízo universal. Nesse sentido, Sacramone (2023, p. 214) observa que o administrador judicial atua como longa manus do juízo, centralizando informações e fiscalizando atos para subsidiar deliberações mais racionais e eficientes.

A falência deve ser compreendida não apenas como instituto jurídico, mas como instrumento de política pública racional, voltado a privilegiar o interesse coletivo, restaurar a ordem econômica e assegurar justiça distributiva com eficiência. Ao reduzir de forma significativa os custos da insolvência, ainda que não os elimine por completo, ela se revela mecanismo socialmente aceitável e economicamente indispensável para a racionalização do sistema.

Originalmente publicado em Consultor Jurídico
Publicado em
19/8/2025