Renegociação

Incêndio não se apaga com gasolina

''Enquanto não enfatizarmos a convergência, entendendo que a superação da crise é coletiva e colaborativa, o fogo ficará cada vez maior''

A crise chega ao caixa das empresas com um paradoxo: os credores fazem de tudo para realizar o crédito e sair o quanto antes dessa posição, pressionando pela liquidação de suas posições com a companhia. E o devedor toma as medidas possíveis para que isso não aconteça, buscando preservar o caixa e impedir que o negócio morra. São interesses antagônicos, mas legítimos e com a mesma origem, a crise.

E o que fazemos nesse momento? Hoje, a renegociação de dívidas está marcada por estratégias que envolvem maior litígio. A forma como se tem usado os mecanismos legais acaba criando mais problemas, ao invés de solucionar os existentes. Quem incomoda mais, supostamente, negociaria melhor.

Dessa contradição deriva o que costumo chamar de negociação posicional: como todos estão em fuga, movendo-se para lados opostos, mas amarrados pela escassez, cada qual se agarra mais à posição em que se encontra e o conflito escala.

Um exemplo: nos últimos 12 meses, em todos os casos de empresas em dificuldades com os quais tomei algum contato, mais de 80% da dívida era imune ao pedido de recuperação, permitindo ao credor a fuga rápida. O que temos feito até aqui – aumentando a temperatura e pressão em torno da crise empresarial – não nos levará a um ambiente saudável de superação da crise.

E como reverter esse processo? Nossa cultura de negociação posicional está enraizada e só mudaremos se alterarmos o modo de pensar e fazer, incentivando comportamentos anticíclicos e aplicando técnicas que foquem na solução conjunta da crise, e não na fuga.

Enquanto não enfatizarmos a convergência, entendendo que a superação da crise é coletiva e colaborativa, o fogo ficará cada vez maior, pois seguiremos confundindo combustível com água. O sistema seguirá disfuncional e o remédio (recuperação) continuará sendo visto como pior do que a doença (crise). Até quando ficaremos amarrados à lógica do perde-perde? É tempo de ressignificar velhos hábitos. Afinal, incêndio não se apaga com gasolina.

Reportagem originalmente publicada em GaúchaZH.

Publicado em
4/9/2024